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7.12.12

Rui Barbosa, o humanismo em atos

Por Samuel Duhamel

Um cidadão europeu do século XXI tem pelo menos 1001 razões para não ler a obra de Rui Barbosa. Ela data de mais de 100 anos e aparece, em primeiro lugar, como ultrapassada e sem mais liame com o mundo contemporâneo. Além disso, é escrita num português incrivelmente complicado e, sejamos francos, se a vida é curta demais para aprender o alemão, ela não dá tempo para mergulhar no trabalho erudito de um jurista nascido quando Louis-Napoléon Bonaparte era presidente da França.
Mas, enfim, a vida nos reserva surpresas. De vez em quando boas. Em 2009, o acaso - ou, mais precisamente, a indicação do jornalista Claudio Leal - me levou a uma visita à Fundação Casa de Rui Barbosa, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro. O meu amigo, suficientemente perverso para me indicar duas semanas depois uma peça do diretor Zé Celso - leitor ocidental em curta estada no Brasil, evite de qualquer maneira possível assistir a um espetáculo dele. Se tiver a obrigação moral de ir, traga um travesseiro confortável, não esqueça de apertar o cinto das tuas calças e verifique o estado da sua braguilha. Dicas imperdíveis.

A casa colonial de Rui, convertida num museu frequentado hoje por centenas de pessoas a cada dia, é um milagre para os olhos. Quase nada foi modificado. Sente-se no coração do século XIX. As grandes peças austeras nos levam às noites frias do inverno em que Rui escrevia os seus discursos à luz das velas. O que se destaca no edifício é a imensa biblioteca do antigo jornalista. Ela abriga mais de 37.000 livros que, de acordo com a lenda, foram todos lidos por Rui. Quando eu disse ao guia que era impossível ler tantos livros numa vida só, pelo simples fato de que Rui viveu menos de 37.000 dias, ele respondeu com a convicção dos que nunca duvidam: "Leu sim!" Eu estava convencido.




Visitar um museu desse sem comprar um livro do autor em questão é uma falta de gosto, claro. Decidi assim me oferecer a Antologia de Rui Barbosa, que apresentava a vantagem de vulgarizar os pensamentos de Rui... em somente 112 páginas. De volta ao Hexágono, comecei a leitura. Cento e doze páginas, quase 7 meses de sofrimento cotidiano.
Me explico: após um ano passado na Bahia em 2004 e duas estadas de quase um mês em 2006 e 2011 no Brasil, considero o meu nível na língua de Camões como bom, até muito bom.
Mas falar o português sem dificuldade não basta para entrar no universo do Rui. O cara é capaz de tudo, inclusive às vezes do pior. Página 12: "Deus, que fizestes estas montanhas, o globo que as aguenta, esses mundos que nos cercam, esses céus que nos envolvem, que esparzis as estrelas do firmamento e as flores da terra, que resplandeces na santidade dos justos, e trovejais na consciência dos maus, que semeais na inocência das crianças, e colheis na experiência dos velhos, derramai a vossa misericórdia sobre esta casa, sobre aqueles que a povoam no trabalho, sobre este enxame de esperanças, que aqui continuamente se renovam, sobre essa vergôntea pequenina de minha alma, que aqui fica entregue aos vossos apóstolos, mas ainda mais sobre os que hoje os deixam, galardoados com os primeiros graus do saber, para se afrontar com outras lidas."
Não acredito em Deus. Hoje, entendo por quê.

O meu amigo Claudio, que é polido, apesar da perversidade, me disse um dia, surpreso do meu interesse súbito por Rui: "Cuidado! Ele escreve num português bem empolado!" Eufemismo... agressivo. Rui, que eu chamava secretamente "Ruim" durante as minhas noites de desespero total (ou seja, a partir da pagina 13), escreve tão bem que ultrapassa a nossa tolerância à dor intelectual. Ou seja, ler Rui é um sofrimento total, integral, contínuo e sem fim.
Mas, graças a ele, me dei conta que por vezes é preciso sofrer. Pois a riqueza no vocabulário de Rui, no final, só é a prova da nossa incúria. Muitas vezes, quando fazia a tradução das palavras portuguesas que não conhecia, obtinha palavras francesas que... não conhecia também, não.

De "espadachim" até "valetudinário" sem esquecer "sicário""vesânia","sicofantismo" ou "pasquinada"... Passei quase tanto no dicionário que no livro propriamente dito. Mas, no final, Rui consegue o impossível: sublevar as nossas almas. Escreve coisas complexas sobre temáticas complexas, mas logra no final de cada capítulo dar-nos calafrios.

Sobre a pátria: "A pátria não é ninguém, são todos, e cada qual tem no seio dela o mesmo direito à ideia, à palavra, à associação. A pátria não é um sistema, nem uma seita, nem um monopólio, nem uma forma de governo: é o céu, o solo, o povo, a tradição, a consciência, o lar, o berço dos filhos e o túmulo dos antepassados, a comunhão da lei, da língua e da liberdade."
Sobre a liberdade: "Vós os que vos tendes entregado às artes, às letras, às ciências, não esqueçais que de todas elas, a mãe é a liberdade."
Sobre a paz: "A paz!! Não a vejo. Não há, como não pode existir, senão uma, é que assenta na lei, na punição dos crimes, na responsabilidade dos culpados, na guarda rigorosa das instituições livres. Outra espécie de paz, não é senão a paz de servidão, a paz indigna e aviltante dos países oprimidos, a paz abjeta que a nossa índole, o nosso regime essencialmente repelem, a paz que humilha todos os homens honestos, a paz que nenhuma criatura humana pode tolerar sem abaixar a cabeça envergonhada."
Além de um grande poeta, Rui foi também um grande orador. Rei na arte da improvisação, escrevia também discursos profundamente comoventes que tocavam o cérebro e o coração.
A homenagem pública que ele fez na sede da Academia Brasileira de letras, ao sair o féretro de Machado de Assis em 1908, é a prova incontestável. Numa mistura de doçura, dignidade e sinceridade máxima, consegue um elogio que fica nas memórias um século depois: "O homem que quero celebrar aqui, não é o clássico da língua, não é o mestre da frase, não é o árbitro das letras, não é o filósofo do romance, não é o mágico do conto, não é o joalheiro do verso, o exemplar do rival entre os contemporâneos, da elegância e da graça, do aticismo e da singeleza no conceber e no dizer; é o que soube viver intensamente da arte, sem deixar de ser bom."

Mas Rui não se considerava como um artista. Antes de tudo, ele era um simples mais ardente patriota. Consagrou a sua vida ao seu estado natal, a Bahia, ao seu pais, o Brasil, e a uma certa ideia do humanismo. Deputado, senador, ministro, candidato à presidência da Républica, ele sempre defendeu as suas convicções com uma abnegação infinita. Nos seus maiores combates, os do Abolicionismo, da promoção contínua dos direitos individuais e da paz internacional, brilhou pela capacidade de convencer os céticos e os pessimistas. A claridade dos seus pensamentos e a força da sua inteligência - “a mais poderosa máquina cerebral” do país, como escrevia Joaquim Nabuco no livro “Minha formaçao” - lhe deram uma estatura internacional. Coautor da Constituição da Primeira República (1889-1930) com Prudente de Morais, ele foi também delegado do Brasil na conferência da paz na Holanda em 1907, onde ganhou o apelido de “Águia de Haia”, graças nomeadamente ao sucesso da sua teoria vanguardista de “igualdade das nações.”
Germanófilo, anglófilo, hispanófilo e francófilo, ganhou várias distinções fora do seu país, tal como, por exemplo, as insígnias de Grande oficial da Legião de Honra das mãos de Paul Claudel em 1918.
Cento e doze paginas, quase 7 meses de sofrimento cotidiano... A hora de fechar pela última vez a Antologia de Rui Barbosa, estou aliviado e satisfeito. Aliviado, pois, até que enfim, vou poder voltar às leituras mais superficiais e comestíveis. E satisfeito porque lendo este pequenino livro, sei que entrei nas entranhas de um dos paises mais apaixonantes do mundo contemporâneo, pela profundeza da sua história, pela inteligência do seu povo e pela diversidade das suas paisagens. Profundeza, inteligência, diversidade. Ler Rui Barbosa, o poeta do século XIX, é compreender as riquezas do Brasil do século XXI.

18.4.12

Sarkozy em direção à porta de saída


Cinco anos depois da sua brilhante vitória no segundo turno da eleição presidencial francesa (53% contra 47% da sua oponente socialista Ségolène Royal), Nicolas Sarkozy deve, sem surpresa, deixar o poder no dia 6 de maio. Uma saída vergonhosa para este político esperto que queria mudar completamente a França. Num sentido, conseguiu o objetivo: mudou coisas sim, mas muitas vezes foi para pior.


Todos os analistas sérios dizem: o balanço de Sarkozy é catastrófico. Em 2007, foi eleito para reduzir o desemprego, diminuir a dívida pública e eliminar a insegurança. Cinco anos mais tarde, o número de desempregados aumentou em um milhão (a taxa nunca foi tão alta nestes últimos 15 anos: um a cada seis franceses está inscrito no Pôle Emploi, a rede das pessoas em busca de emprego), a dívida é 500 bilhões de euros mais alta e a violência continuou a subir.



Para justificar estes fracassos, o presidente conservador explica que a França foi vítima da "pior crise econômica desde 1929". Ele provavelmente tem razão. Mas, apesar deste contexto macambúzio, os vizinhos belgas e alemães possuem a taxa de desemprego mais baixa dos últimos 20 anos. Os franceses não entendem estas diferenças enormes e são 70% (um recorde) a pensar que o balanço de Sarkozy é "negativo" ou "muito negativo".



Porém, se é tão odiado hoje (64% dos franceses dizem "não gostar dele", mais um triste recorde para um presidente em exercício), é também por causa do estilo dele. Aqui, Sarkozy é chamado de "bling-bling", uma expressão familiar para criticar seu comportamento ostensivamente endinheirado. Para comemorar a vitória em 2007, ele convidou uns 40 amigos – quase todos milionários – para um jantar no Fouquet's, um restaurante chique de Paris, enquanto milhares de pessoas o aguardavam no lado de fora. Isso foi considerado pelos apoiadores como uma privatização da vitória. No dia seguinte, ele pegou emprestado o iate de um amigo para passar três dias de folga no Mar Mediterrâneo, embora prometesse que passaria três dias num… covento para meditar.



Aliás, duas das suas primeiras reformas foi diminuir os impostos dos mais afortunados e aumentar seu próprio salário em 172%. Numa só palavra, Sarkozy foi claramente "o presidente dos ricos", expressão muito utilizada nas mídias para qualificá-lo. A grande maioria dos franceses pobres ou da classe média querem agora que ele pague a adição.



Sarkozy foi também um presidente que dividiu o povo. Normalmente, a tarefa de um chefe de Estado é reunir todos os cidadãos, apesar das diferenças. Ele fez o contrário: muitas vezes, apontou categorias da população para criticá-las. Assim, ele ou seus ministros disseram mais ou menos expressivamente que os desempregados eram responsáveis pelo caso deles, que as pessoas doentes eram mandrionas, que os muçulmanos eram os únicos a criar problemas, que os imigrantes e os franceses de origem árabe eram numerosos demais, que os professores e os juízes trabalhavam mal, que os sindicatos não eram necessários… Críticas desajeitadas, ainda mais que apontavam cidadãos necessitados ou já marginalizados.



Não ajudam também as amizades dele com ditadores africanos ou do Oriente Médio (Kadhafi foi recebido duas vezes no Palácio do Elysée antes de ser enfrentado na guerra da Líbia, Ben Ali na Tunisia, Moubarak no Egito, Bongo no Gabão, Sassous-Nguesso no Congo, Abdallah na Arábia Saudita, Nazarbaiev no Cazaquistão, Al-Assad na Síria…) e os casos judiciais em que seu nome aparece (com destaque para o financiamento ilegal da sua campanha em 2007).



Mas o principal problema de Sarkozy na campanha se chama François Hollande, o candidato do Partido Socialista e ex-namorado de Ségolène Royal. O deputado da Corrèze tem um programa clássico de esquerda muito apreciado: aumento dos impostos dos mais ricos, criação de um banco público de investimentos, geração de 60 mil empregos na educação, diminuição da energia nuclear e promoção das energias renováveis. Apresenta-se como uma "pessoa simples e um candidato normal" em oposição ao Sarkozy que queria tornar-se "superpresidente" e gerir tudo ao mesmo tempo. Hollande é também considerado o político com senso de humor mais desenvolvido no país. Em tempo de crise e austeridade, isso conta.



No primeiro turno, no próximo domingo (22), ele e Sarkozy teriam mais ou menos o mesmo resultado, de acordo com as pesquisas de opinião (entre 24 e 30%) mas no segundo a diferença é clara (entre 42 e 47% para Sarkozy, entre 53 e 58% para Hollande). Mesmo o antigo presidente Jacques Chirac, de direita, disse que ia votar no socialista. Um cúmulo! Sejamos diretos: em alguns dias, a França deve mudar de presidente. No fundo, Sarkozy sabe disso e afirmou numa entrevista que, caso perca, encerrará a carreira política. Para muitos aqui, sua carreira durou cinco anos a mais.


Samuel Duhamel

(foto: AFP)

17.2.09

Um dia, o sapo vira príncipe…

Brasília, 1o de janeiro de 2003. 200 mil pessoas alegres foram assistir a posse do novo presidente na Praça dos Três Poderes. O intelectual poliglota Fernando Henrique Cardoso passa a faixa ao ex-engraxate e líder sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Sorrisos em todos os rostos, tanto na assembléia como na platéia : ambos parecem felizes, quase aliviados. O abraço dos dois presidentes é caloroso. A mudança democrática entre estas duas figuras politicas opostas acontece numa serenidade perfeita. E se o milagre brasileiro residisse nessa passagem de bastão ? De todo jeito, é o sentimento dado pelo livro O sapo e o príncipe de Paulo Markun. O jornalista narra a historia complexa do Brasil contemporanêo através da vida dos dois ultimos presidentes do maior pais da América do Sul. A analise política é fina e o conteúdo estupendo.

De fato, as trajetórias de FHC et de Lula não poderiam ter sido mais diferentes. O primeiro pertence a uma família que inclui generais, ministros da Guerra, um senador, um prefeito do DF e um presidente do Banco Central. O segundo teve um pai analfábeto e irresponsável, um daqueles capaz de deixar mulher e filhos para engravidar uma menina de 16 anos. Enquanto a carreira de FHC foi predestinada (estudos de sociológia, professor de universidade, senador, ministro das relações exteriores, depois da Fazenda e finalemente, presidente da República), Lula conheceu altos e baixos. A vida dele foi dura ! Com a ausência paterna, teve que viver em um sítio sem luz elétrica durante toda a infância. Ainda muito novo, teve que trabalhar como vendedor de amendoins ou como engraxate para ajudar a família a viver. Conheceu o desemprego, a solidão e o sofrimento. Perdeu a primeira mulher quando ela estava dando a luz ao seu primeiro bebê que tambem morreu durante o parto. Foi prisoneiro político durante a ditadura militar por causa das atividade sindicais. Perdeu 3 vezes a eleição presidencial antes de ser eleito, embora todo mundo pensasse que ganharia de primeira[1]. E FHC ? Nem tinha vontade de candidatar-se e foi eleito duas vezes no primeiro turno…

O livro de Markun merece uma certa atenção, graças a um leque de detalhes e um perfeito conhecimento da política brasileira. Markun permite aos curiosos entender não so a historia de Fernando Henrique Cardoso e a de Lula, como tambem a história do pais desde 1954, marcado pelo suicídio de Getúlio Vargas. Por isso, O sapo e o príncipe é um livro indispensável para quem se interessa ao passado e ao presente do país do futuro.

Samuel Duhamel

[1] Miriam, a ex-mulher do Lula, afirmou numa entrevista que o candidato petista era preconceituoso, mulherengo e alcoólatra. O efeito da acusação foi devastador. Mais tarde, uma jornalista denunciou que o depoimento da Miriam foi comprado pelo irmão de Collor (o outro candidato classificado pelo segundo turno) por 123 000 dólares.
O sapo e o principe, de Fernando Markun, ed. Objetiva, 374 paginas, Rio de Janeiro, 2004




1.3.07

A França no cruzamento

Após 12 anos no palácio do Elysée, o chefe de Estado Jacques Chirac vai ceder seu lugar a um novo presidente em maio. Há semanas, a campanha oferece um espectáculo pouco habitual: a tradicional luta entre direita e centro-esquerda está sendo perturbada por dois outros candidatos que podem chegar ao segundo turno. Nunca na história da quinta República o País pareceu tão dividido politicamente.

Decididamente, os combates eleitorais franceses não respondem a nenhuma lógica política. Depois da vitória do Mitterand (PS – centro-esquerda), em 1981, quando o mundo virava à direita (Reagan nos Estados Unidos, Thatcher no Reino Unido, Kohl na Alemanha...), após a vitória do Chirac (UMP – direita), em 1995, apesar da chegada de candidatos de esquerda à frente de estados ocidentais (Clinton, Blair, Schröder, Prodi...), após o cataclismo eleitoral de 2007 com a presença do Le Pen (FN – extrema-direita) no segundo turno, a França parece reservar nova surpresa.
Dois candidatos, Nicolas Sarkozy (UMP) e Ségolène Royal (PS), lideram as pesquisas de opinião. Aliás, o atual ministro do Interior é o grande favorito das sondagens. Seu estilo popular, aliado a uma retórica perfeita e a receitas econômicas liberais, seduz muitos franceses, principalmente rurais ou do operariado. Mas este sucesso pode surpreender: a passagem do candidato conservador no governo foi um fracasso quase total com o aumento dos atos de violência, a permanência do clima de insegurança e a revolta dos subúrbios. Sarkozy, porém, é um político moderno: mesmo sendo criticado por muitos, continua atacando os adversários com entusiasmo e carisma. Os franceses parecem apreciar...
Diante da agressividade do ministro, a calma e a serenidade de Ségolène Royal podem fazer a diferença. Mulher do atual primeiro-secretário do Partido Socialista, François Hollande, e antiga protegida do presidente Mitterand, a sílfide tenta jogar o papel de mãe da nação e atrair o eleitorado de esquerda à sua trindade: liberalismo econômico, proteção social e autoritarismo moral. Mas após uma decolagem eufórica, a candidata socialista está em perda de velocidade nas sondagens – seu projeto parece incoerente, vago e oneroso.
Essa estagnação favorece a François Bayrou (UDF – centro), chamado de “terceiro homem”, em refêrencia ao filme clássico de Carol Reed. Sua posição acima dos partidos políticos (quer governar com homens de direita, de esquerda e com ambientalistas) se tornou atraente. Além disso, e apesar dos esforços do Sarkozy, Bayrou é percebido como “o candidato da ruptura”: quer criar uma sexta República, fundar uma Europa federal e reconsiderar o poder midiático que privilegia o casal Sarkozy-Royal. Este posicionamento estratégico dá-lhe quase 20% das intenções de voto, contra 25% para Royal e 32% para Sarkozy. Uma outra sondagem mostrou que ganharia no segundo turno contra ambos concorrentes.
Enfim, um quarto candidato pode esperar uma classificação na etapa final: Jean-Marie Le Pen. Com 79 anos de idade, o “frontista” ainda é um adversário duro e sem piedade. A ausência de limites em seu discurso e o radicalismo contra os estrangeiros que ele chama de “preferência nacional”, agrada a um número crescente de eleitores. O seu programa populista (“economicamente de direita, socialmente de esquerda”) encontra sucesso entre os operários, os empregados e... a grande burguesia, o que pode lhe trazer entre 14 e 20%.
Quatro favorítos, quase 85% dos votos. Os outros dez candidatos atingirão apenas 15%. A França chegou realmente a uma encruzilhada: só basta saber se os cidadãos franceses vão votar pela liberalização do seu sistema, imitando os países anglo-saxônicos, com Sarkozy ou Le Pen ou decidir preservar seu modelo social – e suas carências –, elegendo Royal ou Bayrou. Mais que uma eleição, haverá a escolha de um modelo social no dia 6 de maio.

Samuel Duhamel
Jornalista, formado em Ciências Políticas no Instituto des Estudos políticos de Lille.

La France a la croisée des chemins

Après douze ans au Palais de l’Elysée, Jacques Chirac (UMP) va céder sa place à un nouveau président en mai prochain. Le début de la campagne électorale offre un spectacle inhabituel : la traditionnelle lutte entre droite et centre-gauche est perturbée par deux autres candidats qui peuvent atteindre le second tour. Jamais dans l’histoire de la Ve République, le pays n’est apparu aussi politiquement divisé.
Décidément, les combats électoraux en France ne répondent à aucune logique politique. Après la victoire de Mitterrand (PS) en 1981 alors que le monde virait à droite (Reagan aux Etats-Unis, Thatcher au Royaume-Uni, Kohl en Allemagne…), après l’élection de Chirac en 1995 quand des chefs d’Etat de centre-gauche arrivaient au pouvoir en Occident (Clinton, Schröder, Blair, Prodi…), après le cataclysme de 2002 et la présence de Jean-Marie Le Pen (FN) au second tour de la présidentielle, la France peut réserver une nouvelle surprise électorale.
Deux candidats, Nicolas Sarkozy (UMP) et Ségolène Royal (PS), arrivent en tête dans les enquêtes d’opinion. D’ailleurs, l’actuel ministre de l’Intérieur reste le grand favori des sondages. Son style populaire, allié à un verbe affûté et à des recettes économiques libérale, séduit beaucoup de Français, principalement les ruraux et les ouvriers. Mais ce succès peut surprendre : le passage du candidat conservateur place Beauvau a été un échec quasi-total avec l’augmentation des actes de violence, la permanence d’un climat d’insécurité et la révolte des banlieues. Mais Sarkozy ne s’en laisse pas compter : même en étant critiqué, il continue d’attaquer ses adversaires avec enthousiasme et charisme. Les Français paraissent appréciés…
Devant l’agressivité du ministre, le calme et la sérénité apparente de Ségolène Royale peuvent faire la différence. Femme de l’actuel premier secrétaire du parti socialiste, François Hollande, et ancienne protégée du président Mitterrand, la sylphide tente de jouer le rôle de mère de la nation et d’attirer l’électorat de gauche à son triptyque : libéralisme économique, protection sociale et autoritarisme moral. Mais après un décollage euphorique, la candidate socialiste est en perte de vitesse : son programme paraît en effet incohérent, trop vague et trop cher.
Cette stagnation profite à François Bayrou (UDF), le troisième homme cher au réalisateur britannique Carol Reed. Sa position au-dessus des partis politiques – il souhaite gouverner avec des hommes de droite, de gauche et avec des écologistes – est devenue attractive. En outre, au grand dam de Nicolas Sarkozy, Bayrou est perçu dans l’opinion publique comme le candidat de la « rupture » : il veut créer un VIe République, fonder une Europe fédérale et reconsidérer le rôle des médias qu’il juge trop proches du couple Sarkozy – Royal. Ce positionnement stratégique lui rapporte près de 20% dans les sondages contre 25% pour Royal et 32% pour Sarkozy. Un autre sondage a montré qu’il gagnerait au second tour contre ses deux principaux adversaires.
Enfin, un quatrième candidat peut espérer se qualifier pour l’étape finale : Jean- Marie Le Pen. Agé de 79 ans, le frontiste est encore un candidat dur et sans pitié. Son absence de limites dans le discours et son radicalisme anti-étranger (« la préférence nationale ») plaisent à un nombre croissant d’électeurs. Son programme populiste (« économiquement de droite, socialement de droite ») rencontre un certain succès chez les ouvriers, les employés et… la grande bourgeoisie, ce qui pourrait lui apporter entre 14 et 20% des voix.
Quatre favoris, 85% des voix. La dizaine d’autres candidats se battra pour le reste. La France est donc vraiment arrivée à la croisée des chemins. Il ne reste plus qu’à savoir si les citoyens français vont voter pour la libéralisation de leur système, en imitant les pays anglo-saxons avec Sarkozy ou Le Pen, ou décider de préserver leur modèle social – et ses carences – en élisant Royal ou Bayrou. Plus qu’une élection, c’est donc un véritable choix de société qui va se décider le 6 mai prochain.

Samuel Duhamel

2.11.06

Suburbios : um ano depois, nada mudou !

Várias mortes, 500 cidades atingidas, milhões de euros em estragos, filhos de imigrantes rebelados, cerca de 3.000 prisões, 8.970 carros incendiados. Há um ano, a França atravessou a sua pior crise social desde os eventos de maio 1968. Três semanas de terror durante as quais os direitos e as liberdades individuais não eram mais respeitados. “O maior motim francês”, na opinião do sociólogo Sébastien Roché, especialista em subúrbios e violência urbana. “Uma revolta popular sem precedente”, de acordo com os Renseignements Généraux, encarregados de explicar os fenômenos sociais às autoridades.
No entanto, o governo de Dominique de Villepin (UMP – direita) não parece ter compreendido o quanto a crise dos subúrbios era grave. Um ano depois, nenhuma reforma de importância foi implementada para melhorar a vida dos habitantes dos bairros populares. Poucos dias após o motim, o governo prometeu instalar um sistema de currículos anônimos nas empresas para lutar contra a discriminação contra os imigrantes. Nada se fez. O ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, prometeu zerar a delinqüência juvenil nas periferias. Nada se fez. O ministro do emprego, Jean-Louis Borloo, prometeu incentivar “a igualdade das chances” para que um jovem dos subúrbios tenha as mesmas oportunidades que um jovem de Paris. Foi um fracasso. Nenhuma comissão parlamentar foi criada para analisar as raízes da crise. Pior ainda, nenhuma base de informação foi concebida pelo governo. Todas as informações dadas ao público sobre o perfil sociológico dos rebeldes e suas reivindicações vêm de fontes científicas independentes ou de associações locais. Em resumo: o balanço da crise dos subúrbios não foi tirado pelas autoridades. O resultado é catastrófico: a taxa de desemprego atinge os 40% na categoria 18-25 anos nas periferias, contra 9% noutro lugar, a maioria das cidades periféricas carece de serviços públicos, o problema da habitação é preocupante... Parece esquecida a mensagem de desespero dos jovens de Clichy-sous-Bois, Sarcelles, Lille-Sud e dos outros bairros populares.
E como os motivos da ira não desapareceram, as probabilidades de ver uma nova crise acontecer são altas. Os Renseignements généraux estimam que o governo tem de considerar “a possibilidade de violências estruturadas e não mais espontâneas, como no último ano contra as instituições republicanas”. De fato, o governo não entendeu nada da crise das periferias e continua a provocar. Símbolo da irresponsabilidade governamental: a viagem do ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, à Lozère, um departamento rural conservador e próspero, em 27 de outubro, 365 dias após o início dos motins. Em frente aos plutocratas reunidos para apoiá-lo, falou que conhecia “os sofrimentos, os pedidos, as necessidades e as inquietações do povo daqui em termos de serviços públicos, de acesso a internet, de desertificação...”. Um discurso que nunca pronunciou nos súburbios diante de jovens sem futuro.

Samuel Duhamel

18.10.06

A utopia concreta da renda basica de cidadania

"Eu agora estou convencido de que o mais simples meio provará ser o mais eficaz – a solução para a pobreza é aboli-la diretamente por meio de uma medida amplamente discutida: a renda garantida."Martin Luther King
Where do we go from here? Chaos or community


Mais uma prova! Desta vez, é certo: os defensores da renda de existência não são ingênuos que não refletem. Pelo contrário, o livro Renda básica de cidadania: a resposta dada pelo vento, do senador e economista Eduardo Suplicy, mostra com brio que a implementação de um salário incondicional distribuído a cada um será a maior reforma social do século 21. Num estilo claro e didático, o autor da lei que instituiu a renda básica no Brasil explica as inúmeras vantagens de tal salário: eliminação da burocracia, desaparecimento do sentimento de estigmatização ou vergonha na hora de receber a renda, estímulo ao trabalho, aumento da demanda por bens e serviços, liberdade maior para os mais humildes frente a uma proposta de trabalho desumanizante...
Pois bem, por que os detendores de capital, os que não precisam trabalhar para viver, deveriam ser os únicos cidadãos a não cuidarem das suas condições de sobrevida?
Basta ver os nomes dos grandes filósofos, economistas e homens políticos que defenderam a renda de cidadania para se dar conta de que a idéia não é irrealista: Confucius, Thomas Paine, Condorcet, Yves Cochet e os prêmios Nobel de economia John Maynard Keynes, James Meade, John Tinberghen, Robert Solow e James Tobin. A renda básica dá a oportunidade de colocar o ser humano em primeiro lugar diante do economicismo ambiente.
A força do ensaio de Suplicy é mostrar o que seria a vida com a implementaçao de uma renda garantida para todos. Mais leve, mais igual, mais justa, mais simples..., a existência de cada membro da sociedade seria facilitada. Então, por que é que o poder político, em todos os países do mundo, não instala um dividendo social que permita a todos o atendimento de suas necessidades vitais? O Suplicy acaba o livro com essa frase: "O Brasil será melhor quando a renda básica de cidadania estiver em plena vigência". Após leitura, ninguém irá contestá-la.
Samuel Duhamel


Renda basica de cidadania : a resposta dada pelo vento, de Eduardo Suplicy, éditions L&PM Pocket, 8 Rs

29.9.06

Uma campanha sem política

Domingo, 1º de outubro, será o dia mais importante para a política brasileira desde a eleição do ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva à presidência da República, em 2002. Com cinco eleições previstas para a mesma data, o cenário político do país pode ser completamente modificado. Novos representantes, novos programas de educação e de distribuição de renda, nova política social e econômica... O futuro dos 190 milhões de brasileiros depende diretamente do veredicto das urnas.
No entanto, os candidatos não parecem levar o assunto a sério. Apesar da importância do que está em jogo, a campanha eleitoral não ultrapassou o espetáculo fútil e sem interesse. Numa verdadeira democracia, os dias que precedem o voto são de intenso debate e troca de idéias. As propostas dos candidatos são comparadas e julgadas pelos cidadãos atentos e conscientes da realidade política. No Brasil, ainda não é assim. A campanha se decide no terreno da afetividade e da intuição. A meta dos concorrentes não consiste em convencer, mas em seduzir o eleitor. Conseqüência direta: a política some e a campanha se transforma num gigantesco entretenimento, onde o vencedor é o que suscita maiores emoções à opinião pública.
Para atrair o eleitor-consumidor, todas as estratégias são usadas: candidaturas esquisitas ou espetaculares (Doutor X, Mamãe, Enéas), ações em família (na Bahia, os Magalhães, o casal João Henrique e companhia), além de canções e slogans simplistas (Lula: o candidato do povo, Buarque: o candidato da educação, Alckmin: o candidato da ética). Como nos filmes comerciais, a campanha eleitoral de 2006 usou também sangue e tiroteio para distrair os eleitores. Os candidatos tentaram assumir o papel do super-herói contra a quadrilha de inimigos malvados. Numa humildade sem limite, Lula se comparou a “Jesus” e a “Tiradentes”. Em resposta, o tucano Alckmin o comparou a um “diabo”. Para a comunista Heloísa Helena, o antigo metalúrgico “está mais para Judas ou Pilatos”. E, de acordo com ACM, o presidente não passa de um vulgar rato. Estamos a milhões de quilômetros de qualquer proposta para combater a fome ou ampliar investimentos em infra-estrutura.
A vontade do presidente Lula de não comentar os fracassos do seu primeiro mandato (redução da jornada de trabalho abortada, imposto sobre as grandes fortunas não foi implemantado, transgênicos entraram no Brasil...) e de não ficar e de não dar entrevistas à Associação dos Correspondentes Estrangeiros simboliza perfeitamente a ausência completa de debate político nessa campanha eleitoral.
Qualquer cidadão interessado pelo futuro do país e o melhoramento da vida dos seus habitantes há de se envergonhar deste imobilismo estéril. Na história, vários presidentes da Républica tais como Juscelino Kubitschek ou João Goulart mostraram que era possível conciliar promessas sérias e vingardistas durante a campanha e ação concreta sucedida durante o mandato. O próximo presidente do Brasil falhou a primeira fase ; esperamos que passará a segunda.

Samuel Duhamel

7.9.06

Nelson Rodrigues, o poeta da bola

Precisei de muito tempo para saber se ia escrever um artigo sobre Nelson Rodrigues na língua de Molière ou na de Camões. Finalmente, decidi redigi-lo no mesmo idioma de Rodrigues, que comentava o futebol como Pelé, Jairzinho ou Rivelino tocavam a bola: com graça, elegância e eficiência. Seus comentários eram mais que o retrato de um simples jogo de futebol. Quando Nelson falava da pelota de couro, a filosofia não estava longe. Uma filosofia doce que milhões de pessoas entendiam. O que ele dizia era o reflexo do Brasil da época (50-70). De uma certa maneira, Nelson era o seu país. Ouvi-lo falando do bandeirinha irresponsável ou do goleiro imbatível era entender o "jeito de ser" do brasileiro. E digo mais: o mérito dele consiste na compreensão vanguardista de que o futebol e Brasil eram dois amantes de um casal eterno.

O negócio parecia inconcebível quando o Uruguai derrotou o escrete canarinho, num Maracanã lotado, na Copa de 50. Naquele tempo, o Brasil era uma "terra de vira-latas", um país onde o futebol não se impunha como esporte e religião. Mudou rápido: as gerações douradas de 58, 62 e 70, as do "príncipe etíope de rancho" Didi, do Mané Garrincha ou do "rei crioulo" Pelé, trouxeram a luz. Essas seleções auriverdes deram ao brasileiro uma nova imagem de si mesmo. A confiança e o orgulho substituíram o medo e o complexo de inferioridade. Nelson ousou afirmar que os sucessos magníficos do Brasil futebolístico ajudaram o país a se constituir como nação. Uma análise óbvia e incontestável à leitura de À sombra das chuteiras imortais.

Claro, o Nelson tem também defeitos, notadamente o de acreditar que o povo brasileiro é um povo eleito, melhor do que os outros por essência. Às vezes, o comentarista esportivo previligiou a paixão subjectiva à análise imparcial. Em 1958, escreveu depois do jogo Brasil-França (5-2): "O árbitro comportou-se como um larápio. Não houve, em toda a história da Copa do Mundo, um roubo mais cristalino e cínico. Tivemos que fazer 3 gols para que valesse um". Eis a verdade: os "Bleus" de Kopa e Fontaine jogaram a partida inteira com nove jogadores... Naquele tempo, os substitutos não existiam e dois franceses estavam machucados. Mas a ma-fé do Nelson não é nefasta: pemite entender o espírito do tempo.

Talvez o melhor mérito de Nelson Rodrigues seja o de transformar o futebol em teatro: os jogadores são atores, o campo um palco, a bola o enredo... e ele o encenador mágico. O heroísmo, a tristeza, a honra, a vida e a morte: com Nelson Rodrigues, o futebol atingiu os requintes de uma obra-de-arte.

Samuel Duhamel

Nelson Rodrigues nasceu em Recife, Pernambuco, em 1912, e morreu no Rio de Janeiro em 1980. A maior parte da sua produção literária foi publicada originalmente em jornais como O Globo e Manchete Esportiva, onde escreveu de 1955 a 1959. Ele era um virtuose, um artista, um estilista do comentário. Via o futebol com "os olhos de um iluminado", definiu o jornalista Armando Nogueira. Consagrou-se como dramaturgo mas também escreveu romances, volumes de crônicas e memórias, tais como O casamento, A vida como ela é, O óbvio ululante, A coroa de orquídeas e À sombra das chuteiras imortais.

Palavras aladas, as melhores frases de Nelson Rodrigues:

- Brasil – União Soviética (2-0), 15/6/58, em Gotemburgo (Suécia): "O Garrincha foi driblando um, driblando outro e consta inclusive que, na sua penetração fantástica, driblou até as barbas de Rasputin."

- Botafogo – Fluminense (2-1), 10/7/58, no Maracanã: "Ontem, só houve em campo um nome, uma figura, um show: Garrincha. Didi, Zagalo e Nilton Santos pertencem à miserável condição humana. Garrincha não. Garrincha está acima do bem e do mal."

- Flamengo – Olaria (8-0), 22/8/58, na Gávea : "Depois do jogo, qualquer paralelepípedo sabe que Dida é um jogador de alta qualidade."

- Brasil – Chile (4-2), 13/6/1962, em Santiago (Chile) : "Garrincha foi a maior figura do jogo, a maior figura da Copa do Mundo e, vamos admitir a verdade última e exasperada: a maior figura do futebol brasileiro desde Pedro Álvares Cabral."

- O Globo, 4/6/70 : "E Gerson ? Quanta gente o negou? Quanta gente disse e repetiu: ‘Não tem sangue! Não tem coragem!’ O vampiro de Dusseldorf, que era especialista em sangue, se provasse o sangue de Gerson, havia de piscar o olho: ‘Sangue do puro, do puro, do escocês’."

- O Globo, 6/6/70 : "Amanhã jogaremos a Inglaterra. Eu sei que a Inglaterra é grande. Mas nos somos maiores, porque somos Brasil, imensamente Brasil, eternamente Brasil."

30.6.06

Zidane, o modelo francês

No sabado, o Brasil tenterà pôr um fim na carreira do Zinedine Zidane. O craque francês fez sonhar o pais inteiro desde 12 anos com a camisa azul nos ombros. Volta sobre uma carreira magnifica.

A história de amor entre Zidane e o povo francês começou em 17 de agosto de 1994. Desde as epopéias da equipe de Michel Platini entre 1982 e 86, o time tricolor decepcionava os seus torcedores. Incapazes de se classificarem para as Copas de 90 e 94, os franceses encadeavam fracassos. Naquela noite de agosto de 1994, a França perdia por 2 a 0 em casa contra a República Tcheca. Cansado pela falta de imaginação do seu time, o treinador francês Aimé Jacquet apelou a um novo jogador, pouco conhecido pelo público. O seu nome: Zinédine Zidane. E de repente, a luz brilhou... Em 25 minutos, o menino de Marselha marcou dois golaços e ofereceu o empate ao time tricolor por sua primeira seleção. A França possuía o seu novo gênio.
Após uma Eurocopa 96 mitigada, Zizou rumou à Juventus, onde progrediu constantemente. Na Itália, se mostrou incrivelmente regular na excelência. A cada saída no campo, parecia mais forte. Técnica, eficiência, elegância: o mestre dominava os seus adversários com uma facilidade desconsertante. Embasbacada pelo talento do médio francês, a estrela do basquete internacional, Magic Johnson, diria depois de um jogo de Zidane: “Ele é mais forte do que eu e Mickael Jordan juntos!” Entre 1997 e 2001, estava tão bom com os “ bleus” que os torcedores franceses não se perguntavam “Vamos ganhar?”, mas “De quanto vamos ganhar?”. Com os seus dois gols de cabeça na final da Copa do Mundo de 1998, mostrou que era mais “brasileiro” do que os jogadores da seleção de Zagallo. Dois anos mais tarde, durante a Eurocopa na Bélgica e na Holanda, Zidane atingiu um nível inigualado. Durante três semanas, fez um recital de futebol, eliminando Espanha, Portugal e Itália quase sozinho.
O craque francês ganhou tudo: Copa do Mundo, Eurocopa, campeonatos nacionais, taças diversas, títulos de melhor jogador FIFA, Bola de Ouro, título de melhor jogador europeu da história... Até 2003, só a Liga dos Campeoes lhe resistia. Mas após duas finais perdidas com a Juventus, uma outra oportunidade apresentava-se a ele com o Real Madrid. Na vitória sobre o Bayer Leverkusen, da Alemanha, Zidane marcou um gol digno de obra de arte. “Zidane, agradeço a sua mãe de ter dado luz a você!”, foi o comentário de um jornalista espanhol após o golaço! Ontem, nao sabemos o que disse depois do gol do gênio frente ao time ibérico…
Que importa o resultado do jogo de sabado, Zinédine Zidane deixará um vazio imenso no meio do futebol. Os seus torcedores do mundo inteiro já devem estar com saudades dos seus dribles, das suas fintas e de seus passes. Mas cuidado Brasileiros, o nosso gênio ainda nao se aposentou…

Samuel Duhamel

27.4.06

O mal-estar francês

Em menos de um ano, os franceses manifestaram, por três vezes, ira e insatisfação com as políticas dos seus dirigentes nacionais e europeus. O “não” à Constituição Européia, em maio de 2004, a revolta dos subúrbios em novembro de 2004 e as manifestações contra o Contrato Primeiro Emprego (CPE), em março de 2005, são sintomas da crise geral que atravessa o quinto poder econômico do mundo.

Um ano antes da eleição presidencial, a França sente-se mal. Nunca, na história recente do País, os indicadores socioeconômicos foram tão inquietantes. Cerca de 100.000 pessoas estão sem abrigo, a taxa de desemprego atingiu 9,8% e a dívida pública levantou vôo (1,138 trilhão de euros, ou seja, mais de R$3,004 trilhões). Pela primeira vez desde 1945, os franceses têm o sentimento de que a próxima geração viverá em piores condições sociais que a atual. As consequências politicas dessa crise foram sentidas pelo poder Executivo: pesquisas de opinião mostram que mais de 70% da população demonstra insatisfação com o presidente da República, Jacques Chirac, da UMP (União por uma Maioria Popular), partido de direita, e com o premiê Dominique de Villepin (UMP). A promessa de Villepin de “voltar a dar confiança aos franceses”, quando chegou ao governo, em junho de 2004, parece quase surrealista.

Com a sua trindade – liberalismo econômico, política de segurança e ajuda às igrejas –, Nicolas Sarkozy, atual ministro do Interior, é o mais cotado para suceder Jacques Chirac em 2007. Apesar do seu fracasso como ministro do Interior, com o crescimento da violência nos subúrbios, ele desfruta de boa popularidade. Sua vontade de “ruptura”, aliada a uma estratégia eficaz de comunicação e o apoio maciço do maior partido francês (a UMP), fazem dele um candidato competitivo.

De seu lado, a esquerda não lança nenhum programa alternativo. Os ambientalistas do Partido Verde são os únicos a apresentarem um programa radical, de instauração de renda básica de cidadania, saída da energia nuclear, divisão dos lucros do trabalho e projetos criadores de emprego. Mas não são bem retratados pelos meios de comunicação de massa.
Principal força política de oposição, o Partido Socialista (PS) não demonstra capacidade para satisfazer as expectativas do povo francês: sem projeto, sem líder e sem relações com outros partidos de esquerda, o PS brilha por sua falta de imaginação.
A alta popularidade de Ségolène Royal nas pesquisas confirma essa impressão. Mulher do primeiro-secretário do PS, François Hollande, ela não é apreciada por suas idéias, mas pelos valores que defende (família, saúde, defesa do meio ambiente) e, bem, pelo fato de ser mulher.

Neste quadro, os partidos extremistas podem se aproveitar da situação. Em 2002, Jean-Marie le Pen, líder nacionalista e racista da Frente Nacional (FN), atingiu o segundo turno da eleição presidencial – susto que pode ser repetido não só porque, hoje, ele tem mais apoio do que há quatro anos atrás, mas pelas deficiências dos projetos partidários à esquerda.
Há, outra vez, um mal-estar na França.


Samuel Duhamel, formado em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos de Lille, França