Em menos de um ano, os franceses manifestaram, por três vezes, ira e insatisfação com as políticas dos seus dirigentes nacionais e europeus. O “não” à Constituição Européia, em maio de 2004, a revolta dos subúrbios em novembro de 2004 e as manifestações contra o Contrato Primeiro Emprego (CPE), em março de 2005, são sintomas da crise geral que atravessa o quinto poder econômico do mundo.
Um ano antes da eleição presidencial, a França sente-se mal. Nunca, na história recente do País, os indicadores socioeconômicos foram tão inquietantes. Cerca de 100.000 pessoas estão sem abrigo, a taxa de desemprego atingiu 9,8% e a dívida pública levantou vôo (1,138 trilhão de euros, ou seja, mais de R$3,004 trilhões).
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Pela primeira vez desde 1945, os franceses têm o sentimento de que a próxima geração viverá em piores condições sociais que a atual. As consequências politicas dessa crise foram sentidas pelo poder Executivo: pesquisas de opinião mostram que mais de 70% da população demonstra insatisfação com o presidente da República, Jacques Chirac, da UMP (União por uma Maioria Popular), partido de direita, e com o premiê Dominique de Villepin (UMP). A promessa de Villepin de “voltar a dar confiança aos franceses”, quando chegou ao governo, em junho de 2004, parece quase surrealista.
Com a sua trindade – liberalismo econômico, política de segurança e ajuda às igrejas –, Nicolas Sarkozy, atual ministro do Interior, é o mais cotado para suceder Jacques Chirac em 2007.
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Apesar do seu fracasso como ministro do Interior, com o crescimento da violência nos subúrbios, ele desfruta de boa popularidade. Sua vontade de “ruptura”, aliada a uma estratégia eficaz de comunicação e o apoio maciço do maior partido francês (a UMP), fazem dele um candidato competitivo.
De seu lado, a esquerda não lança nenhum programa alternativo. Os ambientalistas do Partido Verde são os únicos a apresentarem um programa radical, de instauração de renda básica de cidadania, saída da energia nuclear, divisão dos lucros do trabalho e projetos criadores de emprego. Mas não são bem retratados pelos meios de comunicação de massa.
Principal força política de oposição, o Partido Socialista (PS) não demonstra capacidade para satisfazer as expectativas do povo francês: sem projeto, sem líder e sem relações com outros
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partidos de esquerda, o PS brilha por sua falta de imaginação.
A alta popularidade de Ségolène Royal nas pesquisas confirma essa impressão. Mulher do primeiro-secretário do PS, François Hollande, ela não é apreciada por suas idéias, mas pelos valores que defende (família, saúde, defesa do meio ambiente) e, bem, pelo fato de ser mulher.
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Neste quadro, os partidos extremistas podem se aproveitar da situação. Em 2002, Jean-Marie le Pen, líder nacionalista e racista da Frente Nacional (FN), atingiu o segundo turno da eleição presidencial – susto que pode ser repetido não só porque, hoje, ele tem mais apoio do que há quatro anos atrás, mas pelas deficiências dos projetos partidários à esquerda.
Há, outra vez, um mal-estar na França.
Samuel Duhamel, formado em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos de Lille, França