27.4.06

O mal-estar francês

Em menos de um ano, os franceses manifestaram, por três vezes, ira e insatisfação com as políticas dos seus dirigentes nacionais e europeus. O “não” à Constituição Européia, em maio de 2004, a revolta dos subúrbios em novembro de 2004 e as manifestações contra o Contrato Primeiro Emprego (CPE), em março de 2005, são sintomas da crise geral que atravessa o quinto poder econômico do mundo.

Um ano antes da eleição presidencial, a França sente-se mal. Nunca, na história recente do País, os indicadores socioeconômicos foram tão inquietantes. Cerca de 100.000 pessoas estão sem abrigo, a taxa de desemprego atingiu 9,8% e a dívida pública levantou vôo (1,138 trilhão de euros, ou seja, mais de R$3,004 trilhões). Pela primeira vez desde 1945, os franceses têm o sentimento de que a próxima geração viverá em piores condições sociais que a atual. As consequências politicas dessa crise foram sentidas pelo poder Executivo: pesquisas de opinião mostram que mais de 70% da população demonstra insatisfação com o presidente da República, Jacques Chirac, da UMP (União por uma Maioria Popular), partido de direita, e com o premiê Dominique de Villepin (UMP). A promessa de Villepin de “voltar a dar confiança aos franceses”, quando chegou ao governo, em junho de 2004, parece quase surrealista.

Com a sua trindade – liberalismo econômico, política de segurança e ajuda às igrejas –, Nicolas Sarkozy, atual ministro do Interior, é o mais cotado para suceder Jacques Chirac em 2007. Apesar do seu fracasso como ministro do Interior, com o crescimento da violência nos subúrbios, ele desfruta de boa popularidade. Sua vontade de “ruptura”, aliada a uma estratégia eficaz de comunicação e o apoio maciço do maior partido francês (a UMP), fazem dele um candidato competitivo.

De seu lado, a esquerda não lança nenhum programa alternativo. Os ambientalistas do Partido Verde são os únicos a apresentarem um programa radical, de instauração de renda básica de cidadania, saída da energia nuclear, divisão dos lucros do trabalho e projetos criadores de emprego. Mas não são bem retratados pelos meios de comunicação de massa.
Principal força política de oposição, o Partido Socialista (PS) não demonstra capacidade para satisfazer as expectativas do povo francês: sem projeto, sem líder e sem relações com outros partidos de esquerda, o PS brilha por sua falta de imaginação.
A alta popularidade de Ségolène Royal nas pesquisas confirma essa impressão. Mulher do primeiro-secretário do PS, François Hollande, ela não é apreciada por suas idéias, mas pelos valores que defende (família, saúde, defesa do meio ambiente) e, bem, pelo fato de ser mulher.

Neste quadro, os partidos extremistas podem se aproveitar da situação. Em 2002, Jean-Marie le Pen, líder nacionalista e racista da Frente Nacional (FN), atingiu o segundo turno da eleição presidencial – susto que pode ser repetido não só porque, hoje, ele tem mais apoio do que há quatro anos atrás, mas pelas deficiências dos projetos partidários à esquerda.
Há, outra vez, um mal-estar na França.


Samuel Duhamel, formado em Ciência Política no Instituto de Estudos Políticos de Lille, França